Com debates sobre IA, políticas de leitura e memória, além de shows performáticos e culturais, a 1ª Bienal do Livro de MS aposta no diálogo entre palavras, território e música.
Campo Grande pulou a própria margem e virou mapa de vozes. Entre 4 e 12 de outubro, o Centro de Convenções Rubens Gil de Camillo foi cenário da 1ª Bienal Pantanal — Bienal do Livro e da Leitura de Mato Grosso do Sul, um evento que trouxe autores, pesquisadores, música e debate numa tessitura que se esticou por nove dias e recebeu 45.912 visitantes. O que se viu ali não foi apenas venda de livros; foi um encontro de pulsos, perguntas e encantamentos — e, em linguagem jornalística, isso merece registro.
A programação oficial, robusta e variada, falou em dois eixos: “Territórios: culturas e geopolítica” e “Tecnologias Digitais, Sociedade e Mercado”, e colocou à mesa temas que tocam o presente: memória, identidade, políticas de leitura, bibliotecas e o impacto da tecnologia sobre a autoria. Foram diversas atividades, seminários, oficinas, mostra de cinema e espetáculos que se cruzavam entre auditórios e estandes.

Itamar Vieira Júnior subiu ao Auditório Manoel de Barros para a conferência Rascunhos de pássaros — A literatura, o mundo e o leitor. Autor de “Torto Arado” e vencedor de prêmios importantes, Itamar fez a plateia se calar para ouvir como quem segura um objeto frágil: falou de território, de voz, e das relações entre quem escreve e quem lê — e deixou no ar a sensação de que a literatura continua sendo uma ponte entre o íntimo e o coletivo. A apresentação atraiu público e foi destaque na cobertura local.

No campo dos afetos, Vera Iaconelli trouxe à Bienal reflexões cortantes e sensíveis sobre as ligações humanas contemporâneas. Em conferência que reuniu psicanálise e observação social, ela abordou modelos afetivos na contemporaneidade, convidando o público a pensar vínculos, solidões e as formas de cuidado que se reinventam em nosso tempo. A fala — que fechou um dia inteiro de programação intensa — foi tratada pela imprensa como um dos pontos altos do festival.

A presença de vozes que atravessam saberes diversos foi um dos acertos da curadoria. Ana Cláudia Quintana Arantes, com sua tessitura entre medicina, poesia e humanidades, falou sobre a vida, a morte e a ternura no trato com o outro — temas que também reverberam em público que busca, na literatura, significados existenciais. Jeimy Hernández Toscano (Cerlalc/UNESCO) aportou com olhar regional sobre políticas de leitura e bibliotecas, alargando o olhar do Pantanal para a América Latina e ressaltando a importância de equipamentos culturais públicos.

André Brayner (advogado e pesquisador) abriu discussões urgentes sobre direitos autorais e inteligência artificial: quem é o autor quando algoritmos colaboram com texto? Em tempos de automatização da criação, a palestra trouxe dúvidas práticas e recomendações sobre como proteger o ofício do escritor e pensar regulação. O tema — técnico e inflamável — motivou conversas nos corredores e debates subsequentes nas mesas de editores e advogados presentes.

As vozes femininas na programação deram densidade às reflexões: Ana Maria Gonçalves abordou memória e narrativas negras com a verve que a consagra — lembrando que contar é política de existência; Ana Elisa Ribeiro e outras autoras locais e nacionais tornaram visível a produção literária que nasce longe dos grandes centros e que precisa ser escutada com atenção. Milly Lacombe participou com a energia argumentativa que a caracteriza, ajudando a sedimentar debates de fé pública e política literária.

Mas a Bienal não foi só razão — foi festa. A música e a performance cruzaram o eixo da palavra. Almir Sater e Maria Alice abriram noites com repertórios que pareceram feitos para aquele lugar (e para aquelas memórias); no dia 11, a apresentação de Néstor Ló y Los Caminantes trouxe batidas fronteiriças e performáticas que fizeram plateia dançar e pensar a cultura transfronteiriça; o espetáculo Crianceiras, inspirado em Manoel de Barros, converteu o sagrado infantil em cena e foi apontado como peça premiada de destaque para o público infantil e familiar. Esses momentos musicais foram o sopro que reorganizou a experiência da Bienal em sentimento.




Entre mesas e auditórios, o seminário do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) e encontros com gestores de bibliotecas mostraram que as decisões e políticas públicas também se escrevem em feira: iniciativas para fortalecer acervos municipais, capacitar mediadores de leitura e aproximar escolas e bibliotecas foram discutidas com representantes locais e regionais — sinal prático de que a Bienal buscou deixar um legado institucional.
A imprensa local e as redes acompanharam de perto: foram chamadas de destaque, fotos e vídeos que ecoaram a lotação em mesas e palestras — especialmente nas falas de nomes consagrados, que atraem público e imprensa. A cobertura ressaltou que, além do espetáculo cultural, a Bienal fortaleceu a produção editorial do estado e deu visibilidade a autores sul-mato-grossenses.
O balanço final é, ao mesmo tempo, jornalístico e afetivo: a Bienal Pantanal cumpriu a ambição de inaugurar um espaço literário plural no coração do Pantanal. Trouxe quase 46 mil pessoas a conviver com livros, debates e música; plantou conversas sobre políticas públicas de leitura e sobre os desafios técnicos da criação em tempos de IA; celebrou a cultura pantaneira e abriu janelas para o diálogo internacional — sobretudo com vizinhos e instituições latino-americanas.
Se há uma lição que fica no ar é que nem todo festival é espetáculo vazio: quando se conecta público, pesquisa, política e arte, o evento deixa rastro. A Bienal Pantanal deixou o rastro. Resta agora transformar essa primeira edição em rede viva — para que, nas próximas, a palavra encontre ainda mais ouvidos e o Pantanal continue a falar através de quem escreve e canta.
Gostou do conteúdo? Compartilhe!!
- Clique para compartilhar no Facebook(abre em nova janela) Facebook
- Clique para compartilhar no LinkedIn(abre em nova janela) LinkedIn
- Clique para compartilhar no Tumblr(abre em nova janela) Tumblr
- Clique para compartilhar no Telegram(abre em nova janela) Telegram
- Clique para compartilhar no Threads(abre em nova janela) Threads
- Clique para compartilhar no WhatsApp(abre em nova janela) WhatsApp





